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Eu* nasci na cidade. Em Almada. Já crescida, e mãe, fui viver para Lisboa. Faço parte daquele grupo de pessoas que não imagina (imaginava) a vida sem as luzes dos prédios e dos carros, o som das ambulâncias e dos aviões, e aquele burburinho constante que nos faz acreditar que não existe um único instante em que as ruas estejam vazias. A cidade tem uma certa poesia.

E palavras bonitas à parte, a cidade tem uma quantidade infinita de qualidades: a proximidade de tudo, a possibilidade de andar sempre a pé, os cafés e restaurantes, os supermercados e uma farmácia em cada esquina - com uma sempre em horário alargado. A cidade tem tudo.

A minha opinião continua igual. A cidade tem tudo. Mas a vida mudou e eu também.

Nos últimos anos, os regressos das férias, em lugares calmos, eram sempre muito duros. Como se, assim que chegasse à cidade, todo o descanso desaparecesse. Como se a minha cabeça ficasse exausta, assim que voltava a lidar com a aceleração da cidade. Mas fui passando por cima dessas sensações, por acreditar que nunca conseguiria sair da cidade.

 

 

Nesta fase da vida éramos um casal, quatro filhos (meus, teus e nossos) e quatro cães. Sim, viviamos estes todos, numa casa enorme, arrendada, no meio da cidade. Em pleno bairro de Campo de Ourique.

Há dois anos e meio o meu avô faleceu a meio do verão. Regressámos mais cedo de férias e durante alguns dias estivemos sempre em casa da minha mãe (que já vive numa zona calma e perto da praia há uns anos). Numa viagem de carro, passámos por uma vivenda em construção e desafiei o Pedro (meu marido) para irmos ver. Detestámos a casa, mas a hipótese de mudar deixou de ser um tabu, para mim e para nós.

Fazia todo o sentido: mais espaço para os miúdos, viver mais próximo da minha mãe e investir numa casa própria, em vez de manter um valor de arrendamento tão alto.

Nas semanas seguintes, contactámos um agente imobiliário que dominava a zona e explicámos exatamente o que queríamos: um terreno que estivesse a 'walking distance' da casa da minha mãe. No mesmo dia das visitas ficámos com duas possibilidades e o Pedro quis o terreno mais afastado de estradas principais. Os preços estavam já um pouco inflacionados, tanto o terreno como a construção, mas ainda encontrámos uma solução com valores equilibrados para o nosso orçamento. Escolhido!

A escolha do terreno foi simples, mas a construção foi um desafio (enorme desafio). Começámos a construir em março de 2019. Mudámos para a Margem Sul, a sério, em maio de 2020, em plena pandemia e confinamento.

Numa primeira fase, fomos viver para casa da minha mãe para poupar algum dinheiro e estar próximo da obra. Nos primeiros meses eu só pensava no que tinha feito à minha vida. Como é que ia viver sem as luzes dos prédios e dos carros, o som das ambulâncias e dos aviões, e o burburinho da cidade?

Depois da mudança mesmo para a nossa casa, na Charneca de Caparica, ainda que na mesma zona de campo, calma e proximidade do mar, e principalmente no duro período do confinamento, por causa da pandemia da Covid-19, todos os possíveis arrependimentos passaram e tive a certeza de que tínhamos tomado a decisão certa.

Comecei a sentir-me muito grata por estar ali, naquela calma. Somos uns privilegiados: temos espaço, ar puro, e a família por perto. A calma vai-se entranhando, aprendi a desacelerar, e criámos novas rotinas. Hoje não quero sair daqui.

 

Ainda assim, como nem tudo são palavras bonitas nem tenhamos ilusões, há coisas que fazem falta no campo. O carro é necessário em quase todas as deslocações (e os transportes públicos são quase inexistentes), os serviços disponíveis são mais limitados e algumas lojas continuam em Lisboa. E apesar de tudo acontecer com mais calma aqui no campo, o trânsito para quem precisa de ir para a cidade trabalhar é caótico.

Eu, como trabalho em casa, consigo fechar-me na bolha aqui na casa do campo e ignorar grande parte das desvantagens desta mudança.

Como em qualquer grande história de amor, o nosso casamento com o campo está a correr de forma perfeita, mas o “para sempre” logo vemos conforme os dias forem correndo.

 

Fonte: *Catarina Beato, autora e coach assina o especial "Mudei-me para uma casa no campo", de autoria do idealista/news.pt